François Perroux e o ❝patrimônio da civilização humana❞ (III)
A Ciência como instrumento ecumênico em apoio à verdadeira missão da Europa
*O texto de hoje inclui a subseção 2.3. Todavia, duas seções mais longas, 2.4 e 2.5, ainda serão publicadas antes de terminarmos esta breve história intelectual das teses de desenvolvimento de Perroux com a matriz Católica de seu pensamento. Nela, iremos olhar para sua surpreendente e esquecida influência sobre o Papado de Paulo VI! A parte 3, todavia, foca em uma mancha na história de Perroux: sua associação ao Regime de Vichy e a influência do “eugenismo” na intelectualidade europeia durante a primeira metade do século XX*
2.3 O Estado e a Sociedade Civil para o père da Teoria Institucionalistas do Desenvolvimento
2.3.1 A Europa como reorganizadora dos mercados mundiais
No texto anterior, terminamos falando das vozes austríacas que encontram eco no pensamento de François Perroux desde novo até mais maduro.
É notável que os principais teóricos da Economia do Desenvolvimento no século XX, os hoje chamados ‘institucionalistas’ Albert Hirschman, François Perroux e Gunnar Myrdal (este laureado com o Prêmio Nobel junto de Hayek), todos inspiraram-se fortemente nas críticas pioneiras de autores radicalmente liberais aos modelos neoclássicos - principalmente em suas versões de comparação estática - e às conclusões para a política pública derivados deles. Todavia, todos os três foram famosos não pelo laissez faire, mas pela proposta da reorganização dos mercados por parte tanto do Estado quanto da Sociedade Civil. Chegava-se, assim, a um meio-termo que tanto aceitava certos pressupostos keynesianos a respeito do papel fundamental do Estado enquanto instituição interventora por excelência, quanto rejeitava os a utilidade dos famosos modelos IS-LM da macroeconomia neoclássica até hoje ensinados nos cursos introdutórios de Ciências Econômicas; um meio-termo, aliás, que também aceitava a relevância imprescindível da espontaneidade em sistemas sociais complexos e das instituições formais e informais como loci de definição das regras que limitam o comportamento humano e dos incentivos que o motivam, mas sem derivar disso qualquer máxima ética em favor da inação. Pelo contrário! Para bem da compreensão, basta um pequeno truísmo - já, parcialmente, mencionado na parte 2.2 - escrito por Hirschman para compreender a direção tomada por esses autores:
Tradition seems to require that economists argue forever about the question whether, in any disequilibrium situation, market forces acting alone are likely to restore equilibrium. Now this is certainly an interesting question. But as social scientists we surely must address ourselves also to the broader question: is the disequilibrium situation likely to be corrected at all, by market or nonmarket forces, or by both acting jointly? It is our contention nonmarket forces are not necessarily less “automatic” than market forces. … Since the desire for political survival is at least as strong a motive force as the desire to realize a profit, we may ordinarily expect some corrective action to be taken. There is no implication here that any disequilibrium whatsoever will be resolved by some combination of market and nonmarket forces (Albert Hirschman, 1958, p. 63-64).
A tradição parece exigir que os economistas discutam incessantemente se, em qualquer situação de desequilíbrio, as forças de mercado, agindo isoladamente, têm probabilidade de restaurar o equilíbrio. Esta é certamente uma questão interessante. Mas, como cientistas sociais, certamente devemos nos debruçar também sobre a questão mais ampla: é provável que a situação de desequilíbrio seja corrigida, por forças de mercado ou não, ou por ambas agindo em conjunto? Afirmamos que as forças não mercantis não são necessariamente menos “automáticas” do que as forças de mercado. … Como o desejo de sobrevivência política é uma força motriz pelo menos tão forte quanto o desejo de obter lucro, podemos normalmente esperar que alguma ação corretiva seja tomada. Não há nenhuma implicação aqui de que qualquer desequilíbrio será resolvido por alguma combinação de forças de mercado e não mercantis.
Myrdal, o ‘pai’ teórico e político do Estado de Bem-Estar Social, tendo-o conceitualizado em torno da ideia de “investimentos sociais” e lutado por sua implementação enquanto Senador no Parlamento e, depois, Ministro do Comércio da Suécia, tinha bem claro para si que as nações desenvolvidas teriam um dever de condicionar e auxiliar o desenvolvimento do resto do mundo. Responsabilidade esta que não proviria de qualquer direito de ‘reparação histórica’ por parte do resto do mundo, uma vez que, em sua visão, não pouco condescendente com um presentismo vintista que embaçava a memória do poderoso Império Sueco e suas próprias tentativas de colonização, a Suécia não teria tido parte nas venturas das viagens ultramarinas. Também não seria justificada meramente com referência ao autointeresse dos países mais ricos receosos do avanço do comunismo e da ‘revanche da pobralhada’: simplesmente a Europa seria compelida por uma obrigação humana maior, que transcenderia quaisquer fronteiras. A visão do economista nórdico refletia tanto as preocupações transnacionais quanto a busca pela repropositação do Estado-Nação que tanto caracterizou a carreira acadêmica de Perroux. Uma das principais críticas que Myrdal viria a formular na década de 60 aos Estados de Bem-Estar Social de modelo Keynesiano, vale a pena mencionar, seria que seu caráter já sofreria de um nacionalismo autárquico, enclausurado, sem quaisquer indícios de rumar a um Mundo de Bem-Estar Social, “a welfare world”, como chamou. Referenciando-se em um autor liberal, Alfred Marshall, cujo método Keynes cunharia de “neoclássico”, Myrdal esperava que a Economia Política fosse re-entendida através de suas implicações necessariamente internacionais para que pudéssemos, enfim, sonhar para além da contabilidade nacional:
… the notion of national trade has been bound up with the notion of solidarity between the various members of a nation. … We are indeed approaching rapidly to conditions which have no close precedent in the past, but are perhaps really more natural than those which they are supplanting — conditions under which the relations between the various industrial strata of a civilized nation are being based on reason rather than tradition. … It is becoming clear that this [Great Britain] and every other Western country can now afford to make in creased sacrifices of national wealth for the purpose of raising the quality of life throughout their whole population. A time may come when such matters will be treated as a cosmopolitan rather than national obligation (Alfred Marshall, 1919, p. 5, apud. Gunnar Myrdal, 1973, pp. 53-54).
… a noção de comércio nacional tem sido associada à noção de solidariedade entre os vários membros de uma nação. … De fato, estamos nos aproximando rapidamente de condições sem precedentes no passado, mas que talvez sejam realmente mais naturais do que aquelas que estão suplantando — condições sob as quais as relações entre os vários estratos industriais de uma nação civilizada estão sendo baseadas na razão e não na tradição. … Está ficando claro que esta [Grã-Bretanha] e todos os outros países ocidentais podem agora se dar ao luxo de fazer sacrifícios cada vez maiores de riqueza nacional com o propósito de elevar a qualidade de vida de toda a sua população. Pode chegar o momento em que tais questões serão tratadas como uma obrigação cosmopolita e não nacional.
O momento chegara. Mas Myrdal (1956) e os outros institucionalistas não acreditavam que o caminho seria de gradual supressão da agência e da soberania de Estados através de mecanismos supranacionais. Myrdal, citando o livro L’Europe Sans Rivages (1954), de Perroux, deixa mais clara a sua visão:
In his recent book, L’Europe sans Rivages … Professor François Perroux … arrives at certain general conclusions parallel to those developed in this text: that in the present world the nation-states constitute the main and almost exclusive agencies for policy, that the practical problems, therefore, cannot be to abolish frontiers or create superstates but to reach intergovernmental agreements on the coordination of national policies, and that a primary condition for such an internationalization of national policies is a climate of worldwide economic expansion (Gunnar Myrdal, 1956, p. 342).
Em seu livro recente, L’Europe sans Rivages… o professor François Perroux… chega a certas conclusões gerais paralelas às desenvolvidas neste texto: que no mundo atual os Estados-nação constituem as principais e quase exclusivas agências de políticas, que os problemas práticos, portanto, não podem ser abolir fronteiras ou criar superestados, mas chegar a acordos intergovernamentais sobre a coordenação de políticas nacionais, e que uma condição primária para tal internacionalização de políticas nacionais é um clima de expansão econômica mundial.
No livro mencionado, Perroux escreveu uma longa exortação da “vocação universalista” dos Europeus em crítica direta ao projeto ‘fechado’ de construção gradual do que viria a ser a União Europeia, críticas essas também ecoadas por Myrdal. A obra abre com um detalhado repúdio às hipocrisias dos slogans do pós-guerra que enalteciam uma suposta “solidariedade” e “unidade” do mundo enquanto perpetuariam desigualdades sistêmicas baseadas na competição radical (e desleal) entre povos, com uma ascendência estratosférica do poder da City de Nova York e do Estado americano sobre outros:
Leur schématisme dissimule, réduit, grâce à un vocabulaire d’unanimité, l’âpre conflit des économies dominantes, leur course à la primauté ou à la supériorité politique et mercantile au sein du monde malheureux et angoissé qui aurait le plus urgent besoin d’un changement radical de méthodes, et dont les douleurs sont un appel muet a une coalition des forts pour nourrir les affamés (François Perroux, 1954, p. 4).
Seu esquematismo dissimula, reduz, graças a um vocabulário de unanimidade, o amargo conflito das economias dominantes, seu curso à primazia ou à superioridade política e mercantil no seio do mundo triste e angustiado que possui a mais urgente necessidade de uma mudança radical de métodos, e cujas dores são um chamado silencioso a uma coalizão dos fortes para alimentar os famintos.
A crítica de Perroux ao que viria a ser futuramente a União Europeia não está escondida ao longo das 600 páginas do livro. Ela aparece logo de cara: para ele, uma verdadeira solidariedade mundial requeriria uma colaboração dos “grandes” para “objetivos conformes com o bem da humanidade, finalidades que não sejam de uma só nação ou de uma coalizão de nações” (François Perroux, 1954, p. 5). Se a Europa efetivamente teria “europeizado o mundo”, ela não o teria feito por seu “exemplo incontestável,” por representar às vistas de todos o bastião da mais alta moralidade e ética que a humanidade haveria produzido até então, a ser copiada. Muito menos foi o caso de as nações europeias terem agido nos últimos séculos como promotoras inequívocas de um “patrimônio civilizacional humano.” Na realidade, a Europa agiu como uma “força desestabilizadora” do mundo, ela mesma reprodutora de seus próprios “dramas de consciência”, contendo em seu movimento tanto luzes como sombras, incongruência essa que foi o foco do lamento de Immanuel Kant ainda no século 18, em seu Paz Perpétua, um esboço filosófico (1795):
Let us look now, for the sake of comparison, at the inhospitable behaviour of the civilised nations, especially the commercial states of our continent. The injustice which they exhibit on visiting foreign lands and races — this being equivalent in their eyes to conquest — is such as to fill us with horror. America, the negro countries, the Spice Islands, the Cape etc. were, on being discovered, looked upon as countries which belonged to nobody for the native inhabitants were reckoned as nothing. In Hindustan, under the pretext of in tending to establish merely commercial depots, the Europeans introduced foreign troops ; and, as a result, the different states of Hindustan were stirred up to far-spreading wars. Oppression of the natives followed, famine, insurrection, perfidy and all the rest of the litany of evils which can afflict mankind. … And this has been done by nations who make a great ado about their piety, and who, while they are quite ready to commit injustice, would like, in their orthodoxy, to be considered among the elect (Immanuel Kant, 1795 [1903], pp. 139-142).
Vejamos agora, para efeito de comparação, o comportamento inóspito das nações civilizadas, especialmente os estados comerciais do nosso continente. A injustiça que demonstram ao visitar terras e raças estrangeiras — sendo isso equivalente, aos seus olhos, à conquista — é tal que nos enche de horror. A América, os países negros, as Ilhas das Especiarias, o Cabo etc. foram, ao serem descobertos, considerados países que não pertenciam a ninguém, pois os habitantes nativos eram considerados como nada. No Hindustão, sob o pretexto de pretenderem estabelecer meros entrepostos comerciais, os europeus introduziram tropas estrangeiras; e, como resultado, os diferentes estados do Hindustão foram incitados a guerras generalizadas. Seguiram-se a opressão dos nativos, a fome, a insurreição, a perfídia e todo o resto da ladainha de males que podem afligir a humanidade. … E isto foi feito por nações que fazem grande alarde sobre sua piedade e que, embora estejam prontas para cometer injustiças, gostariam, em sua ortodoxia, de ser consideradas entre os eleitos
Mas Kant irá, ele mesmo, invocar os “códigos não-escritos” dos direitos dos povos, ideia antiga cujas origens remetem aos Jus Gentium do Direito Romano. Afinal, para Perroux, é da matriz de valores dos europeus que as principais críticas ao imperialismo proviriam, visão compartilhada, também, por Myrdal, cujo ácido Against the Stream - que não à toa nos remete à rejeição do mainstream em economia! - publicado em 1973 afirmou que a globalização de uma intuição segundo a qual todos teríamos o mesmo direito de reivindicar a igualdade de tratamento e a equidade de relações por possuirmos uma dignidade inerente teria sua origem no Iluminismo Ocidental que teria reformulado de forma, supostamente, ‘mais racional’ algumas conclusões já caras à tradição dos Direitos Naturais (Myrdal, 1973, p. 83).
O Império Britânico, por exemplo, revelaria em sua expansão não só “as torpezas de todo imperialismo”, mas ao mesmo tempo “uma tradição … iluminada e acalentada por um ideal de liberdade humana vigoroso e autêntico” capaz de “recrutar adeptos quase tanto pela persuasão quanto pela pressão e pelas restrições” (François Perroux, 1954, p. 39). Por isso, toda manifestação pós-colonial que visasse provincializar a própria Europa não revelaria senão uma “Europa contra si mesma” (Ibidem, p. 10) - o mundo tornara-se ‘europeu’. O Estado-Nação, universalizado, refletiria “o exemplo europeu” de soberania westfalliana: as ‘províncias’ se revoltaram com o centro, não aguentando mais viver sob as nefastas ambiguidades de mensagens universalistas e de práticas racialistas, sob os jugos de um poder técnico a um só tempo potencialmente libertador e efetivamente escravizador. A “rebelião do homem de cor” e do indígena não tardariam, uma vez que a Europa abdicara de seus litorais em vias de abranger e ‘civilizar’ o resto do mundo. Perroux expressa magistralmente as contradições que nasceram no ventre de Europa, ela mesma estuprada por Zeus e consolada por Cristo:
L’Europe est une ceuvre qu’aucun espace ne borne ni ne contient … Les Européens dans leurs vicissitudes et dans leurs métamorphoses sont le peuple d’une même oeuvre. Ils ont entrepris d’employer la science du monde sensible et les techniques de sa domination à réaliser temporellement l’idéal de la société ouverte (François Perroux, 1954, p. 25).
A Europa é uma obra que nenhum espaço limita ou contém … Os europeus, em suas vicissitudes e metamorfoses, são o povo da mesma obra. Eles se propuseram a empregar a ciência do mundo sensível e as técnicas de sua dominação para realizar temporalmente o ideal da sociedade aberta.
Da mítica união europeia nasceu uma cosmovisão mundial de humanidade, e, queiram ou não, as gerações seguintes “não podem salvar sua liberdade e administrar sua prosperidade sem a Europa” (François Perroux, 1954, p. 28), ela mesma profundamente desigual e desunida. Perroux afirma que para se compreender o fenômeno imperial ultramarino é preciso ter-se em conta mais do que sua faceta intercontinental, da Europa para a Ásia, a África e as Américas, mas analisar suas dimensões internacionais entre os próprios países europeus, divididos entre “economias dominantes” e outras “passivas”, e intranacional, pois mesmo entre diferentes regiões nacionais há enormes “desproporções” cujas “repercussões” ultrapassam territórios cartográficos. Há de se lembrar aqui, pois, do “efeito dominação” apresentado na parte 1 do presente texto. Digo-o por que Perroux, tendo teorizado sobre a centralidade das relações de dominância e de passividade na concorrência entre firmas e entre Estados, fê-lo de modo a explicitamente distinguir sua teoria da noção de “Imperialismo”:
Il est clair que notre interprétation se situe en dehors des cadres d’une théorie de l’impérialisme. Outre les réserves que l’on peut faire sur la précision de toutes celles qui ont été fournies, nous pensons que le vocabulaire émotionnel, dont elles usent toutes, n’est propice ni aux acquisitions de la connaissance ni aux progrès des relations pacifiques entre nations. L’analyse de l’effet de domination offre au contraire un terrain de neutralité scientifique que toutes les parties intéressées peuvent accepter (François Perroux, 1964, p. 51, nota de rodapé).
É evidente que nossa interpretação se situa fora do contexto de uma teoria do imperialismo. Além das ressalvas que podem ser feitas quanto à precisão de todas as interpretações apresentadas, acreditamos que o vocabulário emocional que todas utilizam não conduz à aquisição de conhecimento nem ao desenvolvimento de relações pacíficas entre as nações. A análise do efeito da dominação, ao contrário, oferece uma base de neutralidade científica que todas as partes interessadas podem aceitar.
Se Perroux, nesse sentido, parece reafirmar a possibilidade de construirmos uma ciência “neutra”, despida de “vocabulário emocional”, é preciso, todavia, contextualizar sua afirmação a partir de uma de suas críticas mais veementes ao instrumental analítico neoclássico: toda a retórica mainstream desde, ao menos, Lionel Robbins — para quem a “ciência econômica é inteiramente neutra na escolha de fins” — propagaria a ilusão de instrumentalizar um arcabouço conceitual desinfestado desta peste moralista que seriam os “valores” e, pois, daí permitir aos pesquisadores conclusões “positivas” sobre a realidade a seu redor. Vejamos, por exemplo, a seguinte (e longa) passagem, em que Perroux justifica a introdução da noção de “efeito dominação” na teoria econômica como forma de compreender melhor as relações entre agentes dadas as desigualdades existentes, trecho rico, farto em citações, e extremamente inspirado:
Mais quand il définit l’équilibre statique, afin d’atteindre une détermination rassurante pour l’esprit, il considère un quid à maximer. Ce quid est le gain en monnaie ou la somme, exprimée en prix du marché, des biens et des services communément et commodément traductibles en monnaie. Cette interprétation introduit subrepticement un principe de statisme dans toutes nos analyses. Il n’est pas impossible de concevoir un point de saturation pour un bien matériel ou pour des biens matériels à la disposition du sujet. Si la monnaie était seulement un instrument d’acquisition des biens matériels, il serait assez plausible de faire intersecter l’axe des x par sa courbe d’utilité marginale. Mais elle est aussi : a) Un instrument de pouvoir ; b) Un moyen de placer le sujet ou un autre sujet en état d’accéder au monde des « choses sans prix ». De ces caractères, elle tient vraisemblablement une partie notable de son originalité dans le monde des biens et de sa fécondité dans toute économie. Quand, pour une analyse à objet déterminé, nous admettons la saturation du désir de monnaie, nous devons savoir que nous raisonnons sur une hypothèse contestable. Dans toutes les civilisations historiques, l’homme nous apparaît sollicité par des tendances altruistes et des tendances égotistes. En tant qu’être individué, il est animé du désir d’accroissement et, dans ce mouvement, rencontre sur son itinéraire d’autres êtres animés du même désir. La lutte est une catégorie incomparablement plus générale que la concurrence économique. Chaque être humain, en tant qu’il est égotiste, exerce une domination sur le monde extérieur et sur autrui. Les hommes étant profondément inégaux sous tous rapports, la lutte économique élémentaire prend les formes d’une domination par la conquête, éventuellement suivie d’une domination par l’oppression. Dans l’une et l’autre, est engagée une dépense de contrainte en vue d’obtenir un résultat économiquement avantageux. S’il est vrai que l’acquisition des biens matériels est un moyen d’acquérir le pouvoir, l’inverse n’est pas moins vrai et l’acquisition du pouvoir est un moyen d’acquérir les biens matériels, parmi lesquels la monnaie. Au surplus — et ici intervient le dynamisme propre qui nous occupe — le pouvoir est recherché pour lui-même. Plus encore que moteurs d’accroissement matériel, les tendances égotistes de l’homme individualisé sont au principe d’une self-affirmation, d’une affirmation de soi. Bertrand Russel l’a dit : « Chaque homme ressemble au Satan, de Milton. Il est fait de noblesse et d’impiété. » Prenons ces mots en un sens large mais déterminé. Noblesse : quête des choses immatérielles et sans limites. Impiété : refus, pour l’acquisition et la jouissance de ces choses, de toutes limitations venant de la nature et d’autrui. Ce qui revient à dire que, sauf discipline malaisée et toujours précaire, chaque homme s’attribue une souveraineté absolue ou agit comme s’il se l’attribuait. Cette self-affirmation ne connaît point les bornes de la saturation. Elle anime un dynamisme à la fois fécond et profondément redoutable dont les philosophies ont le plus souvent reconnu l’importance. La volonté de puissance de Nietzsche est une réplique de la libido dominandi des scolastiques ; la psychologie moderne des comportements et des tendances scrute les formes de la self-affirmation. Quelques grands économistes ont rencontré ces réalités malgré les exclusives et les préférences de l’orthodoxie économique. La self-affirmation est à la racine des motivations de l’entrepreneur dynamique chez Joseph Schumpeter ; elle est le ressort d’un certain marxisme lorsqu’il attend la libération de la classe ouvrière de toute autre chose que d’une solution de la Magenfrage, ou d’un esprit platement « revanchard » entre classes. Pour interpréter la vie économique dans une atmosphère exempte d’une psychologie assez courte, qui rend statiques ou du moins trop peu turbulents les sujets et leurs actes, nous devons disposer d’un outil intellectuel, à usage spécialisé. Nous proposons celui de l’effet de domination ou de l’unité économique dominante. L’effet de domination consiste, on le sait, en une influence irréversible ou partiellement réversible exercée par une unité sur une autre. Une unité économique exerce cet effet en raison de sa dimension, de son pouvoir de négociation, de la nature de son activité ou de son appartenance à une zone d’activité dominante. (François Perroux, 1964, pp. 83-85).
Mas quando define equilíbrio estático, a fim de alcançar uma determinação tranquilizadora para a mente, ele considera um quid como maximizado. Esse quid é o ganho em dinheiro ou a soma, expressa em preços de mercado, de bens e serviços comum e convenientemente traduzíveis em dinheiro. Essa interpretação introduz sub-repticiamente um princípio de estatismo em todas as nossas análises. Não é impossível conceber um ponto de saturação para um bem material ou para bens materiais à disposição do sujeito. Se o dinheiro fosse apenas um instrumento para adquirir bens materiais, seria bastante plausível que o eixo x interseccionasse sua curva de utilidade marginal. Mas também é: a) Um instrumento de poder; b) Um meio de colocar o sujeito ou outro sujeito em posição de acessar o mundo das “coisas inestimáveis”. Dessas características, provavelmente deriva parte notável de sua originalidade no mundo dos bens e de sua fertilidade em qualquer economia. Quando, para uma análise com um objeto específico, admitimos a saturação do desejo por dinheiro, devemos saber que estamos raciocinando sobre uma hipótese questionável. Em todas as civilizações históricas, o homem nos parece motivado por tendências altruístas e egoístas. Como ser individualizado, ele é movido pelo desejo de crescimento e, nesse movimento, encontra em sua jornada outros seres movidos pelo mesmo desejo. A luta é uma categoria incomparavelmente mais geral do que a competição econômica. Cada ser humano, na medida em que é egoísta, exerce dominação sobre o mundo externo e sobre os outros. Como os homens são profundamente desiguais em todos os aspectos, a luta econômica elementar assume a forma de dominação pela conquista, possivelmente seguida de dominação pela opressão. Em ambas, um gasto de coerção é incorrido para obter um resultado economicamente vantajoso. Se é verdade que a aquisição de bens materiais é um meio de adquirir poder, o inverso não é menos verdadeiro, e a aquisição de poder é um meio de adquirir bens materiais, incluindo dinheiro. Além disso — e aqui entra o dinamismo específico que nos interessa — o poder é buscado por si mesmo. Mais do que motores de crescimento material, as tendências egoístas do homem individualizado são a base da autoafirmação, de uma afirmação de si. Bertrand Russell disse: “Todo homem se assemelha ao Satã de Milton. Ele é feito de nobreza e impiedade.” Tomemos essas palavras em um sentido amplo, mas específico. Nobreza: a busca por coisas imateriais e ilimitadas. Impiedade: a recusa, para a aquisição e o gozo dessas coisas, de todas as limitações provenientes da natureza e dos outros. O que equivale a dizer que, salvo uma disciplina difícil e sempre precária, cada homem atribui a si mesmo soberania absoluta ou age como se a atribuísse. Essa autoafirmação não conhece limites de saturação. Ela impulsiona um dinamismo ao mesmo tempo fértil e profundamente formidável, cuja importância tem sido frequentemente reconhecida pelas filosofias. A vontade de poder de Nietzsche é uma réplica da libido dominandi dos escolásticos; A psicologia moderna do comportamento e das tendências examina as formas de autoafirmação. Alguns grandes economistas se depararam com essas realidades, apesar das exclusividades e preferências da ortodoxia econômica. A autoafirmação está na raiz das motivações do empreendedor dinâmico em Joseph Schumpeter; é a força motriz de um certo marxismo, que espera a libertação da classe trabalhadora de qualquer coisa que não seja uma solução para a Magenfrage, ou um espírito abertamente “revanchista” entre classes. Para interpretar a vida econômica em uma atmosfera livre de uma psicologia de curto prazo, que torna os sujeitos e suas ações estáticos ou, pelo menos, muito pouco turbulentos, precisamos de uma ferramenta intelectual para uso especializado. Propomos o efeito de dominação ou a unidade econômica dominante. O efeito de dominação consiste, como sabemos, em uma influência irreversível ou parcialmente reversível exercida por uma unidade sobre outra. Uma unidade econômica exerce esse efeito devido ao seu tamanho, ao seu poder de barganha, à natureza de sua atividade ou ao seu pertencimento a uma área de atividade dominante.
Dele, deduzimos que uma teoria econômica que ignore as desigualdades entre agentes necessariamente afeta a forma como compreendemos a realidade econômica e o que fazemos a partir dessa compreensão. É evidente, portanto, que a busca por neutralidade em Perroux está diretamente associada com uma valorização não-neutra do propósito da Ciência Econômica que ultrapassa a desinteressada corrida atrás da Verdade, esse arco-íris que sempre contemplamos mas nunca somos capazes de encontrar nem seu início nem seu final. Essa passagem, como veremos na subseção seguinte, é reveladora, também, de uma continuidade das esperanças iluministas do chamado ‘Liberalismo Clássico’ em Perroux. Mas como isso afeta a forma como a Europa deveria portar-se no século XX frente ao resto do mundo? Em primeiro lugar, a rejeição institucionalista da pobreza analítica dos modelos neoclássicos enfatiza, acima de tudo, a necessidade de uma boa teoria do poder caso queiramos que fluxos econômicos façam mais sentido. Myrdal, cedo em sua carreira, iria destrinchar a própria teoria econômica em busca de seus “elementos políticos” escondidos. Perroux não vai pelo caminho discursivo. Seu ponto é sobretudo epistemológico: não existe “realidade econômica” separada — enquanto objeto de estudo distinto — da “realidade política”. Mais tarde expressaria um ponto de vista, todavia, bem similar:
As I have often had occasion to stress, politics is sovereign. There is, for instance, no political dividing line established between states, even one that in the most unnatural way puts barriers in the way of trade and other economic relations, which does not in time tend to become “natural,” in the sense that the economies on both sides adjust to the political conditions so created (Gunnar Myrdal, 1973, p. 169).
Como já tive ocasião de enfatizar diversas vezes, a política é soberana. Não existe, por exemplo, nenhuma linha divisória política estabelecida entre os Estados, mesmo uma que, da forma mais antinatural, coloque barreiras no caminho do comércio e de outras relações econômicas, que não tenda, com o tempo, a se tornar “natural”, no sentido de que as economias de ambos os lados se ajustem às condições políticas assim criadas.
Perroux, na década anterior, explicara, em uma frase de inspiração particularmente surpreendente, a proeminência de Londres na economia mundial da época. Segundo ele, a “condição central da economia de mercado” é precisamente a “liquidez dos bens em um universo onde o espaço é tecnicamente mais e mais conquistado e onde o tempo é mais e mais precioso.” Como Londres reunia todos “os instrumentos de liquidez” que o resto do mundo tinha acesso até então, a capital “dominava a própria economia de mercado.” Para a economia de mercado funcionar, não basta que a “ideia” de uma “moeda” exista, é claro; “é preciso que se abra caminho às grandes redes de coleta, de distribuição e de redistribuição” que darão corpo ao meio circulante e o tornarão engrenagem da “eficiência mercantil” dentro de um “grande jogo,” A “informação, o crédito” envolvidos nessa realização são “poderes que precisam de poderes políticos” –- e mesmo que se pareça haver uma “distinção” entre “a política e os negócios”, os “grupos dominantes” são a um só tempo os mesmos preocupados com “a grandeza do Estado inglês e com os negócios ingleses”. “A City não é indiferente ao Governo; o Governo não é indiferente à City” (François Perroux, 1954, pp. 36-37).
Por um lado, isso apenas significaria que canalizar os interesses dos grandes ‘market players’ e dos Estados para a cooperação, para a solidariedade e para preocupações estrangeiras seria, pela própria natureza fragmentada, ambivalente e volumosa deste tipo de conversão, desafiador. Mas Perroux tinha convicção de que seria o melhor caminho possível para Europa auxiliar diretamente no desenvolvimento dos novos Estados-Nação. Focando no exemplo da França e suas antigas colônias africanas, ele escreve:
Une œuvre collective se définit : un peuple apprend à dire notre territoire, nos ressources naturelles, nos hommes, et, même, nos frontières ; mais c’est, comme ce fut d’abord pour toutes les nations, une anticipation et un vœu. Un autre peuple désapprend, mais lentement, le possessif, et renonce à des réserves, peut-être inconscientes, dans les souverainetés octroyées. La nation qui « devient » n’a pas un marché, ni même, à parler rigoureusement, un plan. Elle dilate des marchés et s’efforce d’opposer son plan aux plans des États étrangers et des entreprises étrangères. Les dépenses publiques croissent, les productivités dans l’immédiat décroissent ou ne croissent pas rapidement. Des désintégrations ethniques et politiques supplémentaires sont un des effets de la volonté d’intégration politique. Les structures de l’échange extérieur des marchandises ne changent pas du jour au lendemain. Les investissements en provenance de l’extérieur diminuent. Les déséquilibres intérieurs et extérieurs, amorcés avant l’indépendance, sont accélérés et aggravés, et ils le sont en même temps. Les nations africaines de la « dernière génération de nations » naissent paradoxalement à l’époque où toutes les nations ne peuvent plus posséder qu’une souveraineté limitée et où toutes ont de grandes difficultés à définir une combinaison favorable de leurs centres industriels et de leurs territoires. Le schéma de la nation du XIXe siècle à souveraineté territoriale est transposé à une réalité pour laquelle il n’a pas été conçu. D’où la répétition de toutes les fautes du nationalisme, sans les réalités de l’économie nationale : le réseau ferroviaire unitaire, le protectionnisme efficace en ce qu’il soutient des centres industriels communiquant avec des marchés intérieurs rapidement croissants, la rencontre d’un idéal national avec des réserves étendues d’épargne et des réservoirs de connaissances scientifiques et techniques. … La nation en voie de se faire promet une immense mobilisation de ressources humaines latentes, mais immédiatement se débat au milieu des querelles africaines de partage : conflits entre riches et moins riches, entre indépendances de rupture et indépendances d’associations, entre modèles occidentaux et modèles de l’Est, entre volontés de leadership et même de domination. Les risques des blocages du développement dans une République ou sur de vastes étendues africaines sont clairs. En ce point, l’économie rationnelle du développement intervient pour désigner la condition maîtresse de la croissance cumulative et durable, et les deux objectifs principaux qu’il faut atteindre. … 1°) L’élévation de la propension à travailler et de la propension à innover ; 2°) Le contrôle du déséquilibre extérieur de développement. Les résultats acquis dans ces deux domaines rejaillissent sur le développement culturel (François Perroux, 1964, pp. 163-165).
Uma obra coletiva se define: um povo aprende a falar de seu território, de seus recursos naturais, de seus homens e até de suas fronteiras; mas isso é, como foi inicialmente para todas as nações, uma antecipação e um desejo. Outro povo desaprende, ainda que mais lentamente, a possessividade e renuncia a reservas, talvez inconscientes, nas soberanias concedidas. A nação “nascente” não tem mercados, nem mesmo, a rigor, um plano. Ela expande mercados e se esforça para opor seu plano aos planos de Estados e empresas estrangeiras. Os gastos públicos aumentam, a produtividade no futuro imediato diminui ou não aumenta rapidamente. Desintegrações étnicas e políticas adicionais são um dos efeitos do desejo de integração política. As estruturas do comércio exterior de mercadorias não mudam da noite para o dia. Os investimentos estrangeiros diminuem. Os desequilíbrios internos e externos que começaram antes da independência estão sendo acelerados e agravados ao mesmo tempo. As nações africanas da “última geração de nações” estão, paradoxalmente, emergindo em um momento em que todas as nações não podem mais possuir mais do que uma soberania limitada e em que todas têm grande dificuldade em definir uma combinação favorável de seus centros industriais e territórios. O esquema da nação do século XIX com soberania territorial está sendo transposto para uma realidade para a qual não foi projetado. Daí a repetição de todos os erros do nacionalismo, sem as realidades da economia nacional: a rede ferroviária unitária, o protecionismo eficaz por apoiar centros industriais em comunicação com mercados internos em rápido crescimento, o encontro de um ideal nacional com extensas reservas de poupança e reservatórios de conhecimento científico e técnico. ... A nação em processo de formação promete uma imensa mobilização de recursos humanos latentes, mas imediatamente se debate em meio a querelas africanas de partilha: conflitos entre ricos e menos ricos, entre independências de ruptura e independências de associações, entre modelos ocidentais e modelos orientais, entre desejos de liderança e até mesmo de dominação. Os riscos de bloqueios ao desenvolvimento em uma República ou em vastas extensões africanas são claros. Nesse ponto, a economia racional do desenvolvimento intervém para designar a condição fundamental do crescimento cumulativo e sustentável, e os dois principais objetivos que devem ser alcançados. ... 1) A elevação da propensão ao trabalho e da propensão à inovação; 2) O controle do desequilíbrio externo do desenvolvimento. Os resultados alcançados nessas duas áreas impactam o desenvolvimento cultural.
Falaremos destes dois objetivos em breve. Resta notar o papel dos países Europeus para amenizar as agruras da formação do Estado-Nação:
Le développement humain dans les Républiques africaines et en France a des chances d’être réciproque. Les appels à l’investissement et au progrès technique exigent l’épargne additionnelle, l’invention et l’innovation, le travail plus intense dans ce pays-ci. Au-delà : les portions de notre population qui restent, encore, un peu inertes chez nous ont le choix entre l’acceptation de la nouveauté ou le réveil au fond de la catastrophe. Les institutions françaises encore lourdes et sclérosées sont invitées au progrès rapide — ou promises à l’échec. Le rajeunissement des esprits doit précéder le rajeunissement démographique qui le soutient. Les nations en voie de se faire obligent notre nation en voie de se refaire. Ici et là, le développement, qui est d’abord dans l’homme, s’opère au sein de l’économie du XXe siècle qui est dominée par la dialectique économique des centres industriels et des territoires, disons par l’aménagement nécessaire des pôles de développement et du milieu de propagation de leurs effets (François Perroux, 1964, p. 167).
O desenvolvimento humano nas Repúblicas Africanas e na França tem a chance de ser recíproco. Os apelos por investimento e progresso técnico exigem poupança adicional, invenção e inovação, e um trabalho mais intenso neste país. Além disso: as parcelas da nossa população que permanecem, ainda, um tanto inertes em nosso país têm a escolha entre aceitar a novidade ou acordar das profundezas da catástrofe. As instituições ainda pesadas e esclerosadas da França são convidadas a um rápido progresso — ou condenadas ao fracasso. O rejuvenescimento das mentes deve preceder o rejuvenescimento demográfico que o sustenta. Nações em processo de formação obrigam a nossa nação em processo de reconstrução. Aqui e ali, o desenvolvimento, que está antes de tudo no homem, ocorre dentro da economia do século XX, dominada pela dialética econômica dos centros e territórios industriais, digamos, pelo desenvolvimento necessário dos polos de desenvolvimento e do ambiente em que seus efeitos se propagam.
Perroux, de modo muito similar a Hirschman — o que nos leva, de fato, a indagar se o economista germano-americano não teria, literalmente, roubado a expressão de Perroux sem dar-lhe qualquer crédito por isso — colocou-se contra as principais teorias de desenvolvimento do século XX ao defender que o crescimento é, necessariamente, uma sequência de desequilíbrios. A Europa — como todo outro país desenvolvido — teria o dever de aliviar os “custos humanos” desse processo — além de ser em seu próprio interesse fazê-lo, e para isso, seria preciso desenvolvermos uma política internacional de “desenvolvimento recíproco”. Em uma de suas passagens mais inspiradoras, Perroux escreve:
La croissance est déséquilibre. Le développement est déséquilibre. L’implantation d’un pôle de développement suscite une suite de déséquilibres économiques et sociaux, disons : économiques au sens de l’analyse moderne qui étend son domaine propre d’application. Le pôle implanté distribue des salaires et des revenus monétaires additionnels sans accroître nécessairement la production locale des biens de consommation ; il déplace des mains-d’œuvre et les sépare de leurs unités originaires sans leur procurer nécessairement un nouvel encadrement social ; il concentre cumulativement, en un lieu et dans une branche, l’investissement, le trafic, l’innovation technique et économique sans en procurer nécessairement l’avantage à d’autres lieux dont la croissance et le développement peuvent être, au contraire, retardés. La croissance et le développement d’un ensemble de territoires et de populations ne seront, donc, obtenus que par l’aménagement conscient du milieu de propagation des effets du pôle de développement. Ce sont des organes d’intérêt général qui transforment la croissance d’une industrie ou d’une activité en la croissance d’une nation en voie de se faire et les développements anarchiques en un développement ordonné. La grande entreprise ou l’industrie doit, pour que ce but soit atteint, réinvestir sur place une partie de ses profits et contribuer aux développements techniques et humains. Les régions à croissance et développement accélérés devraient (ce n’est pas le cas) aider les régions moins favorisées. Les Etats occidentaux et les Républiques africaines devraient (ce n’est pas le cas) élaborer des plans d’infrastructure et de communications, communs à plusieurs territoires. Plus les ensembles plurinationaux d’économies développées sont larges et organisés, plus les ensembles plurinationaux d’économies sous-développées sont larges et organisés, plus grands sont le montant d’investissement efficient, la masse d’information technique utile et communiquée, la dimension de la demande et de l’offre globales et de leurs accroissements. Si l’économie du développement était comprise et voulue par opposition aux doctrines concurrentes ou conjuguées, de la lutte des nations et de la lutte des classes, le schéma, que je viens d’esquisser, serait à la base de la politique du développement réciproque. ... L’enseignement, que nous donnent les pays économiquement sous-développés, est celui-ci : les quasi-mécanismes des croissances sont le fruit d’institutions et d’habitudes sociales. Par le marché et par d’autres procédés, nous ne changeons le monde matériel que pour agir les uns sur les autres, pour nous entre-produire les uns les autres. Et le développement est plénier dans la mesure où, par la réciprocité des services, il prépare la réciprocité des consciences. (François Perroux, 1964, pp. 169-170).
Crescimento é desequilíbrio. Desenvolvimento é desequilíbrio. O estabelecimento de um polo de desenvolvimento dá origem a uma série de desequilíbrios econômicos e sociais, digamos: econômicos no sentido da análise moderna, que amplia seu próprio campo de aplicação. O polo estabelecido distribui salários e renda monetária adicionais sem necessariamente aumentar a produção local de bens de consumo; desloca mão de obra e a separa de suas unidades originais sem necessariamente fornecer-lhe uma nova estrutura social; concentra cumulativamente, em um só lugar e em um só setor, investimentos, tráfego, inovação técnica e econômica sem necessariamente proporcionar vantagem a outros lugares cujo crescimento e desenvolvimento podem, ao contrário, ser retardados. O crescimento e o desenvolvimento de um conjunto de territórios e populações, portanto, só serão obtidos pelo planejamento consciente do ambiente em que se propagam os efeitos do polo de desenvolvimento. Trata-se de órgãos de interesse geral que transformam o crescimento de uma indústria ou atividade no crescimento de uma nação em formação e desenvolvimentos anárquicos em desenvolvimento ordenado. Para que esse objetivo seja alcançado, as grandes empresas ou indústrias devem reinvestir parte de seus lucros localmente e contribuir para o desenvolvimento técnico e humano. Regiões com crescimento e desenvolvimento acelerados deveriam (o que não é o caso) ajudar as regiões menos favorecidas. Estados ocidentais e repúblicas africanas deveriam (o que não é o caso) desenvolver planos de infraestrutura e comunicações comuns a vários territórios. Quanto maiores e mais organizados forem os grupos multinacionais de economias desenvolvidas, e quanto maiores e mais organizados forem os grupos multinacionais de economias subdesenvolvidas, maior será a quantidade de investimento eficiente, a massa de informação técnica útil e comunicada, a dimensão da demanda e oferta globais e seus aumentos. Se a economia do desenvolvimento fosse entendida e desejada em oposição às doutrinas concorrentes ou combinadas da luta das nações e da luta de classes, o esquema que acabei de esboçar seria a base da política de desenvolvimento recíproco. ...A lição que aprendemos com os países economicamente subdesenvolvidos é esta: os quasi-mecanismos de crescimento são fruto de instituições e hábitos sociais. Por meio do mercado e de outros processos, mudamos o mundo material apenas para agirmos uns sobre os outros, para produzirmos uns aos outros. E o desenvolvimento é completo na medida em que, por meio da reciprocidade de serviços, prepara para a reciprocidade de consciências.
2.3.2 A Ciência Econômica como instrumento ecumênico e liberal
Perroux, portanto, já havia deixado claro na década de 50 a vontade de ultrapassar divisões irrazoáveis e irracionais entre as nações através do poder contido no potencial objetivo da linguagem científica. Em 1954 esta pretensão foi expressa em uma exortação contra o “espírito fanático” e os “maniqueísmos” moralistas, “vícios” que aprofundam a “funesta dissociação entre valores de cultura e valores de eficácia” e a “aceitação resignada ou fanfarrona da decadência” (François Perroux, 1954, p. 11). A Europa, se desejasse realmente unir-se — e, para isso, promover a paz e a prosperidade gerais — deveria, portanto, unir-se a todos os seus membros espalhados pelo mundo, sem empunhar mais uma flâmula segregacionista como as implicadas por planos que, futuramente, viriam a ditar os contornos da atual União Europeia, como a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951), a Comunidade Económica Europeia (1957) e o Parlamento Europeu (1958). Perroux, assim, rejeitava publicamente as proposições de seu pupilo, Pierre Uri. Economista responsável por teorizar o “mercado comum geral” europeu, Uri foi um dos redatores do Plano Schuman e dos Tratados de Roma, e em 1991 publicou suas memórias do processo de formação política e econômica do continente em Penser pour l'Action: Un fondateur de l'Europe.
Para Perroux, a Europa deveria sonhar mais alto. Para se colocar como uma terceira via entre os Estados Unidos com seus planos Marshall e a União Soviética com os estratagemas da Gosplan, as duas maiores super-potências já vistas até então em poderio militar e geopolítico, a Europa precisaria ser gigantesca, ser mundial. A sensação de sua pequenez no pós-guerra era onipresente, como revela a charge do cartunista alemão Leger, publicada em 13 de Junho de 1950:

Para Perroux, esses projetos (vide quadro abaixo) deixavam-se seduzir pelo “espaço econômico europeu” — conceito pioneiro desenvolvido pelo francês e que foca nas redes de relacionamentos econômicos em vez de presumir a coincidência entre territórios geopolíticos e vida econômica — ou pelas pretensões estranhamente segregacionistas de construção de uma “grande nação europeia”. Uma abordagem verdadeiramente científica nos permitiria:
… aperçoire distinctement la différence entre une coopération économique qui dévalorise les frontières et une autre qui prétend seulement les reculer, entre un empirisme bienfaisant qui libère les échanges à l’intérieur et au pourtour des nations d’Europe et un doctrinarisme fédéraliste qui n’abaisse les obstacles au commerce à l’intérieur que pour les reporter à la périphérie (François Perroux, 1964, p. 139).
… ver claramente a diferença entre uma cooperação econômica que desvaloriza as fronteiras e outra que apenas pretende empurrá-las para trás, entre um empirismo benéfico que libera o comércio dentro e ao redor das nações da Europa e um doutrinarismo federalista que apenas reduz os obstáculos ao comércio dentro do país para deslocá-los para a periferia.
Segundo Perroux, a diferença faria-se sentir em três ordens: A) Econômica, B) Política e C) Espiritual!
A) Economicamente, em vez de cercar-se por barreiras alfandegárias, compor-se por partes que estão se tornando complementares, permitir a circulação de pessoas, mercadorias e capitais internamente mas regular essas circulações em relação ao resto do mundo, de ter uma rede de transportes, uma única moeda, um exército, de providenciar, “à maneira de uma Grande Empresa”, serviços comuns, mercados expandidos, e medidas concertadas para o aumento da produtividade, Perroux proporia que a Europa, ou melhor, as nações da Europa reduzissem a proteção entre si e em relação às nações não europeias, permitissem a reversibilidade e a flexibilidade das complementaridades de suas economias avaliadas em escala global, sem fixá-las em alguma estrutura institucional, reduzindo gradualmente regulações à circulação de pessoas, bens e capitais entre si e em relação ao resto do mundo, utilizando uma moeda global e redes intercontinentais; e as economias de escala são realizadas por grupos de atividades e não por grupos de nações.
B) Politicamente, em vez de almejar tornar-se uma terceira gigante no cenário internacional e de esperar (ou fingir acreditar) que estaria em posição de arbitrar possíveis conflitos entre as outras Grandes Potências, as nações europeias deveriam propor caminhos para tornar o poder de barganha irrelevante na ordem internacional ou, pelo menos, restringir sua importância, e então tomar decisões políticas adequadas para garantir o resguardo, na paz ou na guerra, dos valores da civilização.
C) Espiritualmente, em vez de reforçar a ideia estúpida de que a Europa teria uma “tabela de valores europeus” e de que existiria apenas uma “nação europeia”, fingindo crer que um nacionalismo cuja base se alarga perderia sua virulência, as nações europeias teriam valores “humanos”, afirmando que os problemas culturais do século XX não deveriam nem ser colocados e menos ainda tratados em uma escala meramente europeia, recusando-se a adicionar mais um nacionalismo aos nacionalismos que “estão destruindo”, desde então, “o mundo”, e teriam claro que as nações grandes não são menos — senão mais! — perigosas para a paz mundial do que as pequenas!
A “doutrina federalista” que, para Perroux, assolava a Europa, portanto, significava mais uma “divisão partisana”, mais uma péssima solução para um continente devastado por cessões ideológicas cujos ares da polarização permaneceriam inebriando tanto de nossos irmãos até os dias atuais — pois o espírito do tempo às vezes, com efeito, alastra-se como atmosfera mortífera, suficientemente inócua para não ser fatal, mas perigosa e maléfica o bastante para tornar a vida sufocante e odiável. Mais tarde no livro, encontramos mais uma passagem de tirar o fôlego — não por sua presciência, mas por ser difícil não suspirar languidamente após a leitura:
Les luttes sociales et la connaissance moins étroite et partisane qui en est issue ont imposé d’accepter la pluralité des perspectives, la diversité et l’opposition des sens attribués à une même institution selon le poste de l’observateur qui la regarde et du combattant qui la transforme. Ce gain en vérité, dans le dialogue social, s’est accompagné d’une lente démystification des idéologies universalistes, mises au service effectif des particularismes de classes et de nations. Les idéologies d’Occident sont toutes universalistes en thèse. Les nationalismes forcenés, l’individualisme féroce, l’impérialisme exalté ne se sont jamais contentés d’eux-mêmes et n’ont pas cherché dans leurs démarches immédiates et mani¬ festes leur propre justification. Ils ont fondé leur droit au nom d’une société finalement réconciliée, d’un régime de l’abondance et de la liberté, réalisé en fin de compte par leur déploiement même. Chaque individu, chaque groupe particulier se servant bien, l’ensemble humain serait en fin de compte bien servi. Par quelle loi d’harmonie ? Dans quel délai ? Personne ne pouvait le dire sans mensonge. (François Perroux, 1964, p. 401).
As lutas sociais e a compreensão menos estreita e partidária que delas resultou exigiram a aceitação da pluralidade de perspectivas, da diversidade e da oposição de significados atribuídos a uma mesma instituição, dependendo da posição do observador que a observa e do lutador que a transforma. Esse ganho na verdade, no diálogo social, foi acompanhado por uma lenta desmistificação de ideologias universalistas, efetivamente postas a serviço das particularidades de classe e nacionais. As ideologias do Ocidente são todas universalistas em teoria. Nacionalismos frenéticos, individualismos ferozes, imperialismos exaltados nunca se contentaram consigo mesmos e não buscaram sua própria justificação em suas ações imediatas e manifestas. Fundaram seus direitos em nome de uma sociedade finalmente reconciliada, de um regime de abundância e liberdade, finalmente alcançado por sua própria mobilização. Com cada indivíduo, cada grupo particular servindo bem a si mesmo, a comunidade humana seria, em última análise, bem servida. Por qual lei da harmonia? Em que período de tempo? Ninguém poderia dizer sem mentir.
Para isso, Perroux buscará o caminho na Ciência Econômica desnuda de suas abstrações e de seus eufemismos. Uma melhor teoria do poder, da dominação e da distribuição sem o qual uma teoria do desenvolvimento não faz o menor sentido, aumentariam tanto a utilidade da economia quanto sua capacidade de descrição. Em primeiro lugar, quanto melhor o instrumental analítico de que dispomos, mais facilmente reconhecemos que nossa situação atual é muito diferente do passado, porque podemos, mais do que nunca, dados limites históricos, “inventar economias e sociedades novas” (François Perroux, 1964, p. 161). Em segundo lugar, quanto melhor for a teoria econômica de que dispomos, mais unânimes, imagina Perroux, seriam as “ideologias” que lançam mão dela, uma vez que todas buscam o mesmo, o florescimento humano :
Pour le dire en termes positifs : il existe une idéologie économique et il n’y en a qu’une : c’est le plein emploi, à l’échelle du monde, de toutes les ressources matérielles et humaines, favorisé dans le dessein de procurer à chacun les conditions matérielles, jugées nécessaires par les sciences, de son plein épanouissement (François Perroux, 1964, p. 163).
Para dizer em termos positivos: existe uma ideologia econômica e só existe uma: é o pleno emprego, em escala mundial, de todos os recursos materiais e humanos, promovido com o objetivo de dotar cada um das condições materiais, consideradas necessárias pela ciência, para seu pleno desenvolvimento.
Reconhecê-lo é, para Perroux, o melhor caminho contra a polarização e o sectarianismo:
Cette proposition dénonce les tricheries des nationalismes, des actions partisanes, des égoïsmes de classes et de catégories sociales. Elle subsume les idéologies partielles, les idéologies-relais. Étant, en même temps, le postulat et le modèle normatif du savoir économique, elle détermine, en chaque situation historique, des tâches concrètes, mais en leur procurant un cadre de pensée et une logique. Elle réagit contre les indigences des recherches empiriques de détail soutenues par l’arrière-pensée de contribuer à la victoire d’un régime, d’une nation ou d’un parti, que l’on soustrait soigneusement aux indiscrétions des curiosités scientifiques. Elle soumet à un même intérêt thématique : l’intérêt économique, les expériences particulières et les connaissances des sciences humaines spécialisées (Ibidem).
Esta proposição denuncia os enganos dos nacionalismos, das ações partidárias e dos egoísmos de classes e categorias sociais. Ela subsume ideologias parciais, ideologias de revezamento. Sendo, ao mesmo tempo, o postulado e o modelo normativo do conhecimento econômico, determina, em cada situação histórica, tarefas concretas, mas fornecendo-lhes um quadro de pensamento e uma lógica. Reage contra a indigência da pesquisa empírica detalhada, apoiada no motivo ulterior de contribuir para a vitória de um regime, uma nação ou um partido, cuidadosamente protegida das indiscrições das curiosidades científicas. Ela submete a um mesmo interesse temático: o interesse econômico, as experiências particulares e o conhecimento das ciências humanas especializadas.
Esse “florescimento”, é claro, é completamente diferente de enriquecimento puro e simples. A noção é cara a Perroux: sem ele, não há desenvolvimento, e sem desenvolvimento não há crescimento sustentado por longos períodos de todo modo. Eis a diferença entre planejamentos capazes de desenvolver uma nação: O Estado deve valer-se oportunamente das “competições coletivas” entre “vilas e regiões” e da “promoção social” das elites e de outras classes para continuamente ressignificar o “produtivismo elementar” que está à base do progresso, de tal modo a promover “trabalhos que libertam” (le travail qui libère) com muita prudência para não ultrapassar a linha tênue dos modos de trabalho que “restauram a escravidão” (le travail qui restaure l’esclavage) [François Perroux, 1964, p. 165].
Para desenvolver-se, pois, um país prescinde de transformações que não podem ser medidas simplesmente pela variação em seu PIB. “O que é o Desenvolvimento?”, Perroux pergunta-nos para então responder:
… le développement est la combinaison des changements mentaux et sociaux d'une population qui la rendent apte à faire croître, cumulativement et durablement, son produit réel global. Les sociétés occidentales elles-mêmes, et leurs parties constituantes, sont, à cet égard, inégales quant aux niveaux atteints et quant aux ressorts du développement. ... il existe, donc, une économie du développement et elle est distincte de l’économie de la croissance. Le produit global, en montant absolu ou par tête d’habitant, a été souvent accru dans le passé et peut l’être encore, sans que les populations et leur économie soient mises en condition de développement (François Perroux, 1964, pp. 155-156).
... o desenvolvimento é a combinação de mudanças mentais e sociais em uma população que lhe permitem aumentar, cumulativa e sustentavelmente, seu produto real total. As próprias sociedades ocidentais, e seus componentes, são, nesse aspecto, desiguais em termos dos níveis alcançados e dos motores do desenvolvimento. ... há, portanto, uma economia do desenvolvimento, distinta da economia do crescimento. O produto total, em termos absolutos ou per capita, foi frequentemente aumentado no passado e pode ser aumentado novamente, sem que as populações e suas economias sejam colocadas em condições de desenvolvimento.
Crescimento, para ser categorizado como um progresso econômico, precisa andar de mãos dadas com maior e melhor distribuição!
… [C’est] une croissance avec progrès [celui où] la création économique propage ses résultats au bénéfice de tous, avec les moindres retards et les moindres coûts humains, et où les relations entre les hommes admettent une signification intelligible au plus défavorisés (François Perroux, 1964, p. 17).
[É] crescimento com progresso [onde] a criação econômica propaga os seus resultados para benefício de todos, com o mínimo de atrasos e o mínimo de custos humanos, e onde as relações entre os homens tenham um significado inteligível para os mais desfavorecidos.
Mas nem por isso é possível presumir que o desenvolvimento pode ser um processo de “equilíbrio”. Ele continuará sendo desequilibrante, ele sempre estará baseado em desigualdades entre setores, regiões e pessoas. Para haver “progresso”, todavia, é preciso que a “propagação das novidades” dê-se com o “menor custo humano” possível e com uma “velocidade ótima” que permita as “redes de relações” que se formam e “cujo sentido se universaliza” serem sólidas, de modo que o tecido social não se esgarce até rasgar (François Perroux, 1964, p. 561). Mas o ponto que mais distinguirá Perroux do institucionalismo austríaco será a admissão de que
D’une succession d’inégalités, en tout cas, on ne tire pas une tendance à l’égalité, et de l’exhaussement des conflits sociaux au statut de dialogues, on ne fera jamais sortir une harmonisation spontanée, neutre et anonyme, par un mécanisme des prix (François Perroux, 1964, p. 560).
De uma sucessão de desigualdades, em todo caso, não extrairemos uma tendência à igualdade, e da elevação dos conflitos sociais ao estatuto de diálogos jamais surgirá uma harmonização espontânea, neutra e anônima, através de um mecanismo de preços.
É daqui que surge a estratégia do Desenvolvimento Harmônico que Perroux irá privilegiar, e que atribui papeis cruciais tanto ao Estado quanto à Sociedade Civil, levando-o a concluir que todos os problemas acarretados pelo crescimento econômico — a poluição, a gentrificação concomitante à marginalização urbana, a destruição ambiental, etc — precisam ser mitigados o melhor possível, incumbindo-se ao Estado a realização de altos investimentos sociais, e à socidade grandes deveres cívicos com o gênero humano e a Natureza.
2.3.3 Distanciando-se dos Austríacos mas mantendo-se o Liberalismo Clássico?
Perroux não aceitou o paradigma libertário dos austríacos, mas o emprego de uma linguagem tão similar à do Iluminismo Escocês e de outras fontes que remetem ao chamado ‘Liberalismo Clássico’, inspiração fundamental de Hayek, como exemplifica sua constante crítica ao fanatismo nacionalista não é acidental. Como uma citação direta à Benjamin Constant revela [1], o autor francês prezava pelo potencial pacificador das trocas comerciais. Seu propósito, me parece, foi estender dois componentes radicais de alguns dos últimos expoentes do pensamento liberal clássico, ora infelizmente esquecidos em círculos de estudos liberais: John Stuart Mill, com sua ênfase veementemente socialista no cooperativismo não-estatista, e Henry George, cuja advocacia pela tributação única visava uma reforma de grandes dimensões nas ‘regras do jogo’ que permitiam acúmulos tão desproporcionais de propriedade, valendo-se assim do Estado para a preservação da liberdade e a promoção verdadeira do desenvolvimento. Perroux atribui, portanto, um papel mais claro tanto ao Estado quanto à Sociedade Civil na promoção e na sustentação do progresso econômico e moral, auxiliado por uma ciência econômica ela mesma representante liberal de uma racionalidade ecumênica, plural e aberta.
Para Perroux, abordagens como as da “teoria dos jogos” que até hoje dominam a teoria econômica ou trabalhos empíricos que focam mais do que tudo no “funcionamento do jogo” tornam-se totalmente inúteis quanto mais se distanciam do reconhecimento de que o jogo estudado não possui regras imutáveis, e que a mudança das regras muda o jogo. O jogo depende totalmente das regras a partir das quais será jogado. Mais importante do que tudo para a teoria econômica seria ter uma compreensão melhor da luta por trás da fixação das regras (François Perroux, 1964, p. 54). Essa crítica, todavia, comum em círculos austríacos, não leva, novamente, Perroux a tirar conclusões libertárias, segundo as quais tudo que importa é a definição de um Estado de Direito e de órgãos reguladores que efetivem o cumprimento da Lei Soberana cuja Constituição seja desenhada para maximização da liberdade dos agentes. Isso porque
[L’État] n’est ni une firme … ni, sans plus, l’organe de fixation de règles du jeu susceptibles d’expression abstraite et simple et de révision à de longs intervalles. Il est l’organe de la définition et de la stratégie de l’intérêt général et du bien commun concrètement appréciés au cours des « parties » successives où s’engagent les joueurs collectifs (François Perroux, 1964, p. 92).
[O Estado] não é nem uma empresa … nem, sem mais, o órgão de fixação de regras do jogo, suscetíveis de expressão e revisão abstrata e simples a longos intervalos. Ele é o órgão de definição e estratégia do interesse geral e do bem comum concretamente apreciados durante os sucessivos “jogos” em que os jogadores coletivos se envolvem.
Por diversas razões que não nos interessa explicar aqui, nesta seção cujo tamanho já é desmedido, o Estado possui inerentemente um efeito ‘dominação’ sobre a Sociedade Civil, porque suas características definitivas — como o imposto, suas funções necessárias de arbitragem, e os serviços do poder público — são, por essência, causadoras de consequências irreversíveis (isto é, como dito na parte 1, A influencia B sem que B possa influenciar A em igual medida) e determinantes sobre a conduta, as escolhas e as expectativas do setor, dito, privado. Por conseguinte, não há como se definir a priori quais seriam as regras do jogo produtoras de “ótimos sociais”, pois não há como se definir, no abstrato, normas a serem aplicadas ou mesmo guiadas como ideais para a política pública e para os legisladores sem levar-se também em conta seus poderes reais de sustentação, que variam com as distâncias, as espessuras e a gravidade dos pontos de conexão das redes de relações econômicas que compõem um espaço econômico, bem como as instituições presentes nos territórios por ele englobados, sua composição e sua atuação enquanto “unidades dominantes” em meio a uma outra rede de relações internacional ela mesma capaz de restringir ou potencializar a soberania de cada uma das unidades com as quais se relaciona. Isso não significa, de modo algum, que Perroux privilegia uma centralização vertical da economia nas mãos do Estado:
L’économie décentralisée possède des vertus qui subsistent même dans les marchés très imparfaits et qui résistent aux interventions multipliées de l’État. La décentralisation des décisions et des gestions est une forme de la bonne administration des affaires. Elle favorise la compétition entre les grandes firmes qui vaut bien la rivalité entre services publics. Elle stimule l’innovation et l’investissement en coalisant les mobiles du gain et ceux de la puissance. Elle comporte, au moins dans les meilleurs cas, une vitesse satisfaisante de réaction et d’adaptation. L’économie décentralisée ne sert plus spontanément les équilibres quasi automatiques et elle n’est plus spontanément servie par eux. Il apparaît aux esprits avertis qu’elle survivra, si une politique économique intelligente permet de l’associer à l’expansion courte et à la croissance longue sans déséquilibres insupportables. … Dans ce domaine, on rencontre nécessairement les conflits et coopérations des grandes entreprises, des grands groupements et des grandes puissances. ... Les organismes internationaux et les gouvernements sont condamnés à une extrême prudence s’ils veulent un minimum d’efficacité (François Perroux, 1964, p. 489).
A economia descentralizada possui virtudes que persistem mesmo em mercados altamente imperfeitos e que resistem a repetidas intervenções estatais. A descentralização das decisões e da gestão é uma forma de boa administração empresarial. Promove a concorrência entre grandes empresas, o que compensa a rivalidade com os serviços públicos. Ela estimula a inovação e o investimento, combinando os motivos do lucro com os do poder. Ela envolve, pelo menos nos melhores casos, uma velocidade de reação e adaptação satisfatória. A economia descentralizada não serve mais espontaneamente a equilíbrios quase automáticos e não é mais espontaneamente servida por eles. Parece a mentes informadas que sobreviverá se uma política econômica inteligente permitir que seja associada à expansão de curto prazo e ao crescimento de longo prazo sem desequilíbrios insuportáveis. … Nesse domínio, encontramos necessariamente conflitos e cooperação entre grandes empresas, grandes grupos e grandes potências. … Organizações internacionais e governos estão condenados à extrema cautela se desejam um mínimo de eficácia.
Surpreendentemente, vemos de pouco em pouco que Perroux estende, por um outro caminho, a luta contra os mercantilistas. Seu espírito está muito mais próximo do de Thomas Cooper, para quem nossa noção moderna de “nação” não é muito mais — na maior parte dos países atuais, ao menos — do que uma “mera invenção gramatical”, prezando por um progressivo cosmopolitanismo que ultrapasse as limitações inerentes do modelo de Estado-Nação que até hoje temos de engolir, do que o de Friedrich List, ainda que resguarde importantes lições históricas com relação à assimetria sistêmica e à deterioração dos termos de troca entre o Norte e o Sul Global que não o permitam endossar, de modo algum, o espontâneo — e absolutamente inexistente — curso do contato livre e equânime entre diferentes vantagens competitivas.
Uma Economia Política da Harmonia é, portanto, imprescindível para o Desenvolvimento seja a nível nacional e a nível internacional. Suas indicações de política pública ou de reforma, assim, variarão com os princípios condutores da real transmutação do crescimento econômico em desenvolvimento real, isto é, em florescimento humano. Perroux, pois, entope de requisitos e de mais variáveis qualquer modelo que se pretenda minimamente útil. É um autor da complexidade dos sistemas por excelência. Não há soluções óbvias e fáceis, não há como se prever quais políticas anticíclicas, quais mudanças legais, quais investimentos em capital humano ou produtivo, ou quais moldes de construção de polos de desenvolvimento serão os melhores. As circunstâncias, poderíamos dizer, estão acima da Forma e da Substância na hierarquia ontológica, precedem-nas e dão-lhes a luz. O único princípio guiador é, portanto, transcendental. O caminho é metafísico, isto é claro para qualquer um que leia os textos de Perroux pondo de lado as lentes embaçadas do economista que fareja migalhas para reconstruções racionais e matemáticas que o permitam visualizar um pão hipotético em um plano cartesiano. Não há palavra possível sem o Pão da Vida; não há Pão da Vida sem a palavra divina.
Lembro, todavia, ao leitor, que nos debruçamos, nesta seção, sobre textos das décadas de 50 e 60. Se quisermos compreender como a fé de Perroux influenciou sua teoria econômica, todavia, temos de abordar as fontes de conhecimento que bebera na juventude, para então intuirmos qual foi o impacto que a Revelação teve em seu trabalho científico. Claro, não pretendemos fazer desse Substack um curtume, destrinchando camada por camada o couro cerebral de sua cachola e esperando que diferentes graus de secura, de coloração ou de maleabilidade nos deem um mapa para explorar suas crenças; o trabalho aqui é mais modesto e menos manufatureiro: avaliaremos alguns de seus frutos para termos uma certa intuição sobre a árvore. Talvez esta árvore nos ajude a derivar conclusões importantes sobre o Reino das Plantas ou talvez apenas sobre sua família de vegetais. Toda Obra é fruto de uma superabundância, de um transbordamento de Vontade, e, pois, dá-nos um gostinho do Espírito farto que lhe moveu as mãos e o coração. Não é verdade, querido(a) leitor(a), que toda investigação sobre um ser humano diz-nos algo sobre a humanidade de nós mesmos?
Eia, vejamos então na próxima semana o que os estudos de Perroux sobre o corporativismo podem nos dizer sobre sua tentativa de forjar uma Terceira Via entre o Capitalismo e o Comunismo, e o quanto de suas conclusões juvenis mantiveram-se vivas a rejuvenescer, quiçá, sua alma madura quando, furutamente, já estivera envolta de um casco decrépito que, mesmo realista quanto às possibilidades de mudança do mundo ao seu redor, talvez por demasiada determinação com um senso de dever humano, talvez por resguardar algumas centelhas ainda acesas daquela esperança que motiva todo moço revolucionário, manteve-se até os últimos suspiros guardando fôlego para a empunhar a pena e começar mais um texto.

Notes
[1] “Le commerce n’est autre chose qu’un hommage à la force du possesseur par l’aspirant à la possession. C’est une tentative pour obtenir de gré à gré ce qu’on n’espère plus conquérir par la violence. Un homme qui serait toujours le plus fort n’aurait jamais l’idée du commerce” (Benjamin Constant, 1813, De l’esprit de conquête, apud. François Perroux, 1964, p. 103).
O comércio nada mais é do que um tributo à força do possuidor por parte do aspirante à posse. É uma tentativa de obter por consentimento mútuo o que não se espera mais conquistar pela violência. Um homem que quisesse ser sempre o mais forte jamais teria a ideia do comércio.
Bibliography
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Alexandre Mendes Cunha (2021), ‘Third-WayPerspectives on Order in Interwar France: Personalism and the Political Economy of François Perroux’ In Alexandre Mendes Cunha & Carlos Eduardo Suprinyak (eds.), Political Economy and International Order in Interwar Europe, Palgrave Macmillan, Cham, pp. 59-92.
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François Perroux (1954), L’Europe Sans Rivages, Presses Universitaires de France, Paris.
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_______________ (1967), A Economia do Século XX, 2nd ed., Herder, Lisboa.
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Gunnar Myrdal (1956), An International Economy: Problems and Prospects, Harper & Brothers, New York.
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Immanuel Kant (1795 [1902]), Perpetual Peace: A philosophical essay, Swann Sonnenschein & Co., London.